segunda-feira, 19 de abril de 2010

A história do diabo

"A expressão “história do diabo” tem, etimologicamente vista, raízes profundas. O termo “história” tem a ver com camadas que se sucedem uma à outra, e a língua alemã liga o termo “história” (Geschichte) com o termo “camada” (Schichte). O termo “diabo” tem a ver com o conceito da confusão, e, de maneira inquietante, com o conceito “Deus”. Mas esses acordes etimológicos que a expressão “história do diabo” evoca serão apenas registrados pelo nosso ouvido ingênuo, e aceitos sem crítica, embora com emoção, ao tentar aproximarmo-nos do príncipe das camadas inferiores. A divindade se apresenta àquele que A procura em múltiplos aspectos, de modo que por “embarras de choix” se torna Ela inalcançável. O mesmo se dá na tentativa de agarrarmos o diabo. Mas a Divindade é intemporal. Ela simplesmente é, e a correnteza dos acontecimentos transcorre alhures. O diabo é possivelmente imortal, mas certamente surgiu em dado momento. Ele nada na correnteza do tempo, quiçá a dirige, ele é histórico no sentido estrito do termo. É possível a afirmativa de que o tempo começou com o diabo, que o seu surgir ou a sua queda representam o início do drama do tempo, e que “diabo” e “história” são os dois aspectos do mesmo processo. Assim poderíamos afirmar que a nossa tentativa de fugir do diabo é um outro aspecto da nossa tentativa de emergir da temporalidade e ingressar no reino das Mães imutáveis. Mas uma afirmativa semelhante demonstraria uma atitude negativa para com o diabo e faria com que tomassem conta de nós os preconceitos que contra ele nutrimos. Se lhe queremos fazer justiça, devemos evitar a influência da propaganda antidiabólica que há tanto tempo deturpa a sua imagem. Um príncipe que tantos encheu de entusiasmo no decorrer da história humana, e em louvor do qual tantos enfrentaram as chamas com dedicação ardente -tantos mártires, tantas bruxas, tantos feiticeiros-, um príncipe tão glorioso merece que a nossa mente esteja livre de preconceitos, quando dele nos aproximamos para conhecê-lo pelo menos em parte.

Nós, os ocidentais, somos produtos de uma tradição oficial que pinta o diabo com cores negativas, a saber, como opositor de Deus. Essa tradição parece querer esgotar-se. Ultimamente poucos ocidentais têm-se dedicado à pintura do diabo. As próprias religiões parecem não ter mais o diabo no corpo. O Ocidente cala-se com respeito ao diabo, e pretende tê-lo esquecido, de acordo com a regra: “não se pense nele”. É uma atitude suspeita. Havia épocas, por exemplo os séculos 13 e 16, em que o tema do diabo era discutido pública e apaixonadamente. Eram épocas incômodas para o domínio do diabo. Uma breve consideração da atualidade e da história recente parece demonstrar como esse domínio consolidou-se. Essa consideração é um dos motivos deste livro."

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4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Fantástico. Vou ler com certeza

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  3. Oi, preciso A História do Diabo em pdf, tem como arrumar?

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  4. Oi, preciso A História do Diabo em pdf, tem como arrumar?

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