quarta-feira, 31 de março de 2010

PANORAMA FILOSÓFICO BRASILEIRO

Graças ao apoio financeiro da “Fundação Nuce e Miguel Reale” será possível publicar o Índice da Revista Brasileira de Filosofia, por título dos artigos e nomes de seus autores, abrangendo os 200 fascículos trimestralmente publicados pelo Instituto Brasileiro de Filosofia – IBF, de 1951 ao ano 2000, o que corresponde a meio século de atividade filosófica.

Esse Índice foi organizado pelo benemérito “Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro – CDPB”, sediado em Salvador, organização admirável que devemos a esse incansável batalhador pela Filosofia brasileira que é Antonio Paim, com apoio de Manoel Castro e de um dedicado grupo de intelectuais baianos. É desse Centro também uma obra preciosa, o Dicionário Bibliográfico de Autores Brasileiros, com nada menos de 506 páginas dedicadas a Filosofia, Pensamento Político, Sociologia e Antropologia.

É, pois, ocasião oportuna para uma visão panorâmica da Filosofia no Brasil, sem ficarmos vinculados a esta ou àquela Escola, ou aos nomes de centenas de estudiosos.

O certo é que em pouco tempo a nossa bibliografia filosófica cresceu extraordinariamente, acrescida aos preciosos livros da chamada “Escola do Recife”, resultante da obra criadora, a cavaleiro dos séculos 19 e 20, de pensadores como Tobias Barreto, Silvio Romero, Clóvis Beviláqua e Graça Aranha. Paralelamente a essa Escola temos a figura de Farias Brito como representante da corrente espiritualista, na qual sempre estiveram presentes filósofos aristotélico-tomistas como o Pe. Leonel Franca.

Posição à parte, marcando a presença de A . Comte em São Paulo, tivemos Luiz Pereira Barreto, cujo positivismo heterodoxo o levava, na década de 1870, a dizer que contrapunha a lei oriunda da experiência às leis abstratas pregadas na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, como o fazia João Teodoro, que foi operoso governador da província de São Paulo, sendo ele adepto do “socialismo filantrópico” de Krause, contraposto ao individualismo de Kant.

Mas a ideologia dominante foi a positivista, como o demonstrou Ivan Lins, às vezes confundindo a orientação científica com a religiosa, ambas tratadas por A. Comte. Por outro lado,nem todos os positivistas eram comteanos, como é o caso de Pedro Lessa, positivista na linha de Stuart Mill, com significativa influência nos domínios da Filosofia do Direito. Seu sucessor na mesma Faculdade de Direito, no início do século 20, foi João Arruda, pregador do “socialismo harmônico”, inspirado também no pensamento de Krause e Ahrens, cujo pensamento, como se vê, prevaleceu por duas vezes nas Arcadas de São Francisco.

Em contraposição, merecem logo referência, os representantes ilustres da Filosofia espiritualista, que se opõem tanto ao krausismo como ao marxismo: Maurílio Teixeira Leite Penido, Jackson de Figueiredo, Alceu de Amoroso Lima, Gustavo Corção, Tarcísio Meirelles Padilha, Leonardo Van Acker, Carlos Lopes de Matos e Eduardo Prado de Mendonça. Distinguem-se esses autores pela sua reflexão não reduzida apenas a Santo Tomas, inclusive quanto à linguagem, como foi o caso de João Mendes Júnior. Nem pode ser olvidado a tendência socializante do tomista Henrique Lima Vaz, seguido por Fernando Arruda Campos.

Essa notável mudança nos estudos deveu-se, principalmente, a duas fontes, a Universidade de São Paulo – USP e o Instituto Brasileiro de Filosofia – IBF, aquela fundada em 1934, e este em 1949.

Ainda não foi feita a história imparcial desse evento, o qual teve na USP dois momentos distintos, um ligado, respectivamente, a A. Comte e a Espinosa, com João Cruz Costa e Livio Teixeira, e um outro marcado pela filosofia marxista, que se prolonga até hoje.

A grande missão do IBF foi estabelecer um contato permanente entre os pensadores brasileiros devido à Revista Brasileira de Filosofia, a periódicos congressos nacionais e internacionais. Com isso o Brasil passou a ter o seu lugar no mundo filosófico universal, não ficando, porém, limitado à exegese do pensamento estrangeiro.

No IBF congregaram-se pensadores de todas as doutrinas, desde a dialética hegeliana de Djacir Menezes até o “intuicionismo da ação” de Blondel seguido por João de Scantimburgo. Se fui fundador do IBF, pude contar com a estupenda equipe formada por Luis Washington Vita, Vicente Ferreira da Silva, Renato Cirell Czerna, Heraldo Barbuy, Vilém Flusser, Milton Vargas, Teófilo Siqueira Cavalcanti, Roque Spencer Maciel de Barros, Adolpho Cripa e Lourival Vilanova, depois enriquecida por Antonio Paim. Vicente é sem dúvida o maior metafísico existencial da língua portuguesa. Luis Washington foi o grande artífice da união dos pensadores brasileiros e portugueses, que culminou, mais tarde, com a fundação do Instituto de Filosofia Luso-Brasileira.

Devido a essa abertura no plano das idéias, não houve corrente de pensamento que não repercutisse no Brasil, como o demonstra Antonio Paim na sua até hoje insuperada História das Idéias Filosóficas no Brasil. Neste livro o leitor encontrará a relação das obras de Filosofia Social e das demais Filosofias das Ciências que surgiram no País no século passado.

Outra presença notável atualmente é a do raciovitalismo de Ortega y Gasset, com belos estudos de Gilberto de Mello Kujawski e de José Maurício de Carvalho, recompondo tradicional ligação com o pensamento espanhol.

Para demonstrar o conquistado diálogo universal das idéias, lembro os nomes do existencialista Ernildo Stein, dos fenomenólogos Creusa Capalbo, Aquiles Cortes Guimarães e Eduardo Portella, este com a sua sempre atualizada e renovadora revista Tempo Brasileiro, e a produção poliédrica de Euryalo Cannabrava, Gerd Bornheim, Almir de Andrade, Constança Marcondes César, José Guilherme Merquior, Benedito Nunes, Sérgio Paulo Rouanet e Luis Fernando Coelho. Gláucio Veiga e Maria do Carmo Tavares de Miranda.

No campo da Filosofia e da Filosofia do Direito e Política, temos ainda a presença criadora de Celso Lafer, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Evaristo de Moraes Filho, Machado Neto, Luis Luisi, Paulo Mercadante, J. Oswaldo de Meira Pena e tantos outros.

E a fecunda produção continua, especialmente no chamado culturalismo, que é a corrente dominante, com meus estudos e de muitos outros pensadores, como, por exemplo, os de Antonio Paim, Vamireh Chacon, Nelson Saldanha, Tarcisio de Miranda Burity, Ubiratan de Macedo, Ricardo Vélez Rodriguez, Leonardo Prota e Luiz Alberto Cerqueira, todos sempre em contato com o pensamento universal.

Finalmente, para não estender em demasia essa visão panorâmica, faço especial referência a Newton C. A. da Costa, que é um dos reconhecidos fundadores da Lógica Paraconsistente, uma das maiores expressões da Lógica contemporânea, na qual já se situava a significativa obra de Leônidas Hegenberg.

Foi nesse amplo e variegado panorama que, a final, se consolidou a Academia Brasileira de Filosofia, fundada por Jorge Jayme de Souza Mendes, e hoje sob a presidência realizadora de João Ricardo Moderno, com bela sede no Rio de Janeiro.

MIGUEL REALE 16/07/2005

Sem comentários:

Enviar um comentário